Casa Luz – Fundamentos da Missão

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“Se Javé não constrói a casa,

em vão labutam os seus construtores”

(Sl 127).

A revelação divina é um manancial de vida que jorra em toda a criação. Bem expressa o Papa Francisco, na Laudato Si’: “O Espírito de Deus encheu o universo de potencialidade que permite que, do próprio seio das coisas, possa brotar sempre algo de novo” (LS, 80).  O novo que se processa na criação, portanto, é fruto da ação da Providência Divina, que atua para que o mundo possa se tornar uma casa comum, onde todos possam habitar e usufruir de uma vida abundante.

Este olhar permite ver que Deus não se poupa ao manifestar-se no universo e nem faz acepção de culturas, povos, religiões, lugares, pessoas. A maravilha da revelação concentra-se na abundância gratuita da sua presença providente. As potencialidades de vida estão presentes na criação e Deus mesmo continua se manifestando nela, suscitando o novo para fazer a vida ainda mais abundante para todos.

O ser humano, como parte consciente da criação, por sua liberdade, constrói e conduz a história. Em cada época, surgem homens e mulheres com olhar mais sensível aos desígnios de Deus, que experimentam da água viva, mobilizam-se para compartilhá-la com a humanidade e estendê-la à toda a criação. Estas pessoas têm uma característica comum: deixam tudo para fazer, a cada dia, a vontade de Deus (Lc 9,23). Algumas delas marcam a origem das Congregações religiosas. Dentre estas, encontramos o fundador da Congregação das Irmãs da Divina Providência: Eduardo Michelis(1813-1855).

 O que há de mais precioso e dinâmico em uma Congregação religiosa é a experiência de Deus que constitui continuamente a base do seu carisma e inspira a missão. Uma experiência de Deus é concreta, pois é sentida, vivida, refletida, sistematizada, interpretada e, ao mesmo tempo, mantém uma reserva de sentido no mistério, que não podemos atingir.

Eduardo Michelis foi uma dessas pessoas abertas ao Espírito. Sua sensibilidade à vida não permitiu passar despercebida a condição de crianças órfãos e desamparadas, numa época de precários recursos, na Alemanha do século XIX. Quando a dor do outro nos alcança e faz arder o nosso coração, é sinal de que algo de Deus nos atingiu. Isso é propriamente a misericórdia – sentir no coração a miséria do outro.

A providência divina se encarrega de criar as pontes necessárias entre o próprio Deus presente nas misérias e potencialidades humanas e o coração dos que se mantêm sensíveis ao Seu projeto de vida. Eduardo Michelis parece experimentar dupla dimensão da providência divina: a paciente e esperançosa espera, mais fortemente marcada pelo período da prisão, com a misericordiosa urgência da missão para alçar vidas na casa luz.

Se, com outras pessoas sensíveis a Deus e por isso ao próximo, Michelis tem em comum a renúncia de si para realizar a vontade de Deus, de modo particular, ele tem um olhar marcado pela Providência, o que se tornará inspiração principal para a missão e carisma da Congregação.

A esperançosa espera é tempo oportuno para análise da vida a partir da Palavra de Deus, com postura vigilante à Providência, que atua sempre na criação e na história. Ao deixarmo-nos conduzir pelas urgências que o dia a dia nos pede, estaremos nos deixando levar pelos interesses e demandas do mundo. Estaremos constantemente no aguardo de um chamado, não vivendo a proposta de uma Igreja em Saída. Não conseguiremos vislumbrar os horizontes, pois o que urge nos faz focar a visão somente para baixo e para trás. Assim, esperançosa espera envolve oração, meditação, contemplação, discernimento, conversão, vigilância, olhar atento e aberto à criação, percebendo que da dança da vida participa o próprio Deus Providente. Como delinear estes aspectos significativos da Providência, em processos pedagógicos e gestão?

A misericordiosa urgência é tempo propício de fazer o que precisa ser feito. Se nos contentarmos com a montanha e armarmos nossas tendas ali, o que Deus propõe para o mundo permanecerá no plano da boa intenção. Quem vive a experiência de Deus envolve-se com a realização da Sua vontade. É necessário que as coisas de Deus sejam feitas; não porque Deus precise de nós, mas porque, se de fato experimentamos a Deus, ele passa a fazer de nós a sua morada e, portanto, age em nós e a partir de nós. São Paulo bem o sentia ao dizer: “Já não sou eu que vivo, mas é Cristo que vive em mim” (Gl 2,20). Misericordiosa urgência requer que nos entreguemos com todas as forças e inteiramente para fazer a vontade de Deus, seja qual for o serviço que desempenhamos. Está implicada com o desenvolvimento da CHAVE específica do Carisma – Competências, Habilidades, Atitudes, Valores e Espiritualidade.

O equilíbrio das duas dimensões é uma busca constante de quem tem como referência “viver a confiança ilimitada na Providência do Pai” (Const. n. 1) – carisma da Congregação. Sendo uma Congregação de espiritualidade apostólica, a CIDP carrega a mensagem que quer transmitir ao mundo para dentro de tudo o que faz. É por meio da presença e ação no mundo que a Congregação anuncia a “mensagem da benignidade de Deus, colocando sinais de esperança da vinda do seu Reino” (Const. n. 3).

Não basta ter a boa notícia do carisma compreensível nos documentos e nas falas. É necessário que ela componha e inspire a vida e todas as práticas envolvidas na missão. “Nem todo aquele que me diz: ‘Senhor, Senhor’ entrará no Reino dos Céus, mas sim aquele que pratica da vontade de meu Pai que está nos céus” (Mt 7,21). A este Jesus compara a pessoa sensata que “construiu sua casa sobre a rocha. Caiu a chuva, vieram as enxurradas, sopraram os ventos e deram contra aquela casa, mas não caiu. Por outro lado, todo aquele que ouve essas minhas palavras, mas não as pratica, será comparado ao homem insensato que construiu a sua casa sobre a areia. Caiu a chuva, vieram as enxurradas, sopraram os ventos e deram contra aquela casa, e ela desmoronou. E foi grande a sua ruína” (Mt 7, 24-27). A quem nos assemelhamos?

As constituições dizem que “a fé na Divina Providência” é a “marca característica de toda a nossa Vida Religiosa” (n. 2). Mostra ainda, alguns valores fundamentais do serviço apostólico: “simplicidade, alegria, abertura, gratidão e desprendimento” (Const. n. 14). Na educação, especificamente, temos de traduzir pedagogicamente o sentido do carisma e seus valores, marcados pela esperançosa espera com a misericordiosa urgência, como componentes de um mesmo processo educacional.

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